Era uma vez... Era uma vez um Cardeal, homem corpulento e circunspecto, amigo de um Mineiro, que sobrevivia escarafunchando as entranhas da Terra. Ambos tinham uma secreta relação com uma Dama, que visitavam regularmente.
Certo dia...E assim se conta a história desta Exposição de Pintura. Exactamente, assim!
Esta é uma Exposição muito especial e diferente, que nos revela a faceta mais escondida do Fernando Gaspar: a sua terrível capacidade para nos colocar à prova perante o desafio provocatório dos seus quadros.
Mordaz e perversa, plena de actualidade, cheia de emoção e de cor, esta Exposição pode muito bem ser a História aos Quadradinhos que todos temos dentro de nós. Só alguns, poucos, têm a felicidade de no-la contar. Menos ainda, um punhado de privilegiados, apenas, tem o raro dom de no-la pintar.
O Fernando Gaspar consegue nestes acrílicos a simbiose perfeita entre a delicada subtileza da sua mensagem e a dureza dos golpes com que ilustra a generalidade dos seus quadros. São raros momentos de inspiração que o autor nos revela neste conjunto de figurativos contemporâneos, em que se acentua uma visão da vida e da sociedade, é certo, mas onde há ainda espaço para que cada observador escreva a sua História aos Quadradinhos, ficcionada a partir de uma talentosa proposta.
Aguarelista exímio (talvez o melhor entre os melhores contemporâneos portugueses!), capaz de colocar na sua obra o mais subtil pormenor de uma vivência, Fernando Gaspar faz, nesta exposição, o pleno da intervenção artística como elemento do cognitivo colectivo, despertando em nós um estímulo que nos traz à memória a (má) consciência em relação ao meio que nos rodeia.
Quatro anos de meditação, encucados numa ficção que se mistura de forma indelével com uma realidade marcada por episódios que povoam a consciência colectiva, resultaram numa mostra especial, que marca uma viragem na trajectória do autor e nos revela uma sensibilidade plástica e crítica da sociedade.
Por tudo isto, o acervo desta exposição encerra, em si próprio, a responsabilidade de se constituir no ponto de partida para uma nova proposta e uma nova abordagem da pintura do Fernando Gaspar, mais crítica e áspera, mais intervencionista e real.
Paulo Ramalheira
Abril 2002
In cat. "personagens para uma história", Lisboa, Maio 2002
felina, 2002, acrílico sobre tela, 100x80cm, colecção privada
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